2666 - Roberto Bolaño: Até que ponto alguém pode conhecer a obra de outro?

janeiro 25, 2021

   


  Olá pessoal, 

    Nesse post diferente, venho compartilhar com vocês uma passagem de 2666 do escrito chileno Roberto Bolaño. Está sendo minha leitura principal desse primeiro semestre do ano, a primeira parte do livro gira em torno de quatro críticos literários europeus, obcecados pela obra um escritor alemão que não dá entrevistas, não tira fotos, não possui relatos de seu passado e ninguém sabe por onde o sujeito anda, entretanto seu nome ecoa na vida destes quatro literatas apaixonados por sua magnânima obra,  

     Benno von Archimboldi é o mistério que liga a vida de Pelletier (crítico Francês), Espinoza (crítico Espanhol), Morini (crítico Italiano) e Norton (crítica inglesa). Nessa passagem que compartilho com vocês, movidos pelo impulso de iniciar uma busca por Benno von Archimboldi, os três críticos decidem visitar a senhora Bubis, mulher do primeiro editor que publicou a obra de Archimboldi. Na sala de estar da velha senhora, entram em uma discussão sobre conhecer a obra de um outro...

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     - A única pessoa na editora que conhecia perfeitamente a obra de Archimboldi – disse a senhora Bubis - era o senhor Bubis, que publicou todos os livros deles.

         Mas ela se perguntava (e de passagem perguntava a eles) até que ponto alguém pode conhecer a obra de outro.

         - Eu, por exemplo, adoro a obra de Grosz – disse indicando os desenhos de Grosz pendurados na parede -, mas conheço realmente sua obra? Suas histórias me fazem rir, em certos momentos creio que Grosz desenhou para que eu risse, por vezes o riso se transforma em gargalhada, e a gargalhada num ataque de hilaridade, mas uma vez conheci um crítico de arte que gostava de Grosz, é claro, mas que ficava deprimidíssimo quando via um retrospectiva da sua obra ou por motivos profissionais tinha de estudar alguma tela ou desenho dele. E essas depressões ou esses períodos de tristeza costumavam durar semanas. Esse crítico de arte era amigo meu, mas nunca havíamos tocado no tema de Grosz. Uma vez, porém, lhe contei o que acontecia comigo. No início ele não podia acreditar. Depois pôs-se a sacudir a cabeça de um lado para o outro. Depois olhou para mim de alto e baixo, como se não me conhecesse. Pensei que ele tinha enlouquecido. Rompeu sua amizade comigo para sempre. Faz pouco me contaram que ele ainda diz que eu não sei nada de Grosz e que meu gosto estético é igual ao de uma vaca. Bem, por mim pode dizer o que quiser. Eu rio com Grosz, ele se deprime com Grosz, mas quem realmente conhece Grosz?

         - Suponhamos – disse a senhora Bubis – que neste momento batam na porta e apareça meu velho amigo, o crítico de arte. Ele senta aqui, no sofá, a meu lado, e um de vocês saca um desenho sem assinatura e nos garante que é de Grosz e que deseja vende-lo. Olho o desenho, sorrio, tiro o meu talão de cheques e compro. O crítico de arte examina o desenho, não se deprime e tenta me fazer mudar de ideia. Para ele não é um desenho de Grosz. Para mim é um desenho de Grosz. Qual dos dois tem razão?

         - Ou formulemos a história de outro modo. O senhor – disse a senhora Bubis apontando para Espinoza – saca um desenho sem assinatura e dize que é de Grosz e tenta vendê-lo. Eu não rio, observo-o friamente, aprecio o traço, o pulso, a sátira, mas nada no desenho estimula meu deleite. O crítico de arte o observa cuidadosamente e, como é natural nele, fica deprimido e ato contínuo faz uma oferta, uma oferta que supera suas economias e que, se aceita, o mergulhará em longas tarde de melancolia. Tento dissuadi-lo. Digo que o desenho me parece suspeito porque não me provoca o riso. O crítico me responde que já era hora de eu enxergar a obra de Grosz com os olhos de adulto e me felicita. Qual dos dois tem razão?"

2666 - Roberto Bolaño

Companhia das letras - 2010

paginas: 37 e 38



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