Sonho de uma Noite de Futebol

outubro 15, 2020

 


    No alto da arquibancada, éramos um só corpo e um só espírito. Bradávamos os mesmos cânticos e nossas preces eram feitas aos mesmos deuses. No campo de batalha a nossa frente, o duelo era árduo para aqueles que defendiam as nossas cores.

    Mesmo assim, enquanto nossos tambores batiam e juntos pulávamos fazendo o concreto entortar, sentíamos que a nossa voz tinha o poder de influenciar aqueles corpos, de energizar aqueles músculos, de impulsionar nosso time para o território adversário.

E realmente conseguíamos.

    Bola vai, bola vêm, toca pro lado, toca pro outro, prende, segura, passa, como um caranguejo a pelota rondava as defesas do inimigo, a tensão aumentava, nossa voz também, os tambores podiam ser escutados do lado de fora do estádio, aquilo eram um coração pulsante, uma nação, vários corações.

    Nossa barulheira se multiplica ao soar do apito do arbitro, que muitas vezes era um outro adversário, mas jogava sozinho e vez ou outra nos ajudava.

“-Falta na entrada da área.

- Mais um pouquinho seria pênalti.

- A distância é boa, daí vai bater direto.”


    Frases vindas de algum rádio a pilha ligado do meu lado, colado na orelha de algum senhor que nesse momento já segurava o rosário em uma mão e o aparelho na outra.

    Fechei os olhos, pus as mãos em posição de oração e roguei aos deuses do futebol por um milagre. No campo, como em um sonho, uma gota de suor escorria da testa de nosso camisa 10, ela desceu lentamente por seu rosto, parando um pouco no queixo, pensando antes do salto, assim como o jogador, que pensava antes de correr para a bola.

“O arbitro apita, está autorizada a cobrança!”

A gota salta, bate na grama, o jogador corre, bate na bola.

    Então escuto, de olhos fechados, o barulho da pelota roçando a rede pelo lado de dentro, o estádio vibra, os tambores explodem, nossos cânticos se misturam aos berros eufóricos de comemoração, a vibração é contagiante, toma a cidade, carros com nossas cores invadem as ruas, o trânsito fica catastrófico, erguemos bandeiras por toda a parte, as estátuas históricas são tomadas e tornam-se parte de nossa nação, os pontos turísticos acolhem nossas bandeiras e a festa é imensa, até eu abrir os olhos.

“O arbitro apita, está autorizada a cobrança!”

A gota salta, bate na grama, o jogador corre, bate na bola.

    E pelota voa, passa por cima de nos, atingindo a arquibancada. Mãos a cabeça, xingamentos, gritos de “Uhhh”, “quase”, por toda parte.

Logo em seguida o jogo retorna, os tambores, os cânticos, as preces.

“Se aquela bola entra, era outra história.”


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