Quando o estranho bate à porta, o lampião se apaga

maio 20, 2018



O hospital Colônia Santana foi inaugurado em 10 de novembro de 1941, no município de São José em Santa Cataria, durante o governo provisório de Nereu Ramos. Distante 25 km da capital do estado, o hospital seguiu um modelo instituído pelo psiquiatra Philippe Pinel, na França. Por ter toda essa distância da capital do estado a comunidade local foi se formando próxima as redondezas do hospital vindo assim futuramente a se conhecer como Colônia Santana e o hospital por sua vez em 1996 se tornando Instituto de Psiquiatria do estado.

A história que temos a contar hoje se passar cerca de 15 anos após a inauguração do Hospital, então sem mais delongas ela deve começar a ser contada...

                Era uma tarde quente de janeiro, ainda mais dentro da sala do diretor clinico do Hospital Colônia Santana, o Doutor e Professor Durval da Costa Filho, muito bem arrumado, de gravata e cercado por livros e estantes ele suava como um operário, reparava que o vento que adentrava as grandes janelas não era o suficiente para lhe refrescar. Naquela tarde Dr. Durval estava com as papeladas dos internos que haviam chegado ou ainda estavam para chegar no ano de 56.

                Esquizofrênicos, Dependentes, Doentes, Deficientes e todos aqueles que na época eram vistos como amaldiçoadas por deus, marginalizados, banalizados, abandonados por suas famílias, jogados na sarjeta, esperando o tempo despejar sobre eles a poeira do esquecimento, todos eles estavam ali, rumando para o que seria o seu grande éden, o Hospital.

                Diante de tanto papel e suor a porta do escritório de Dr. Durval toca, o doutro ergue a cabeça, larga os papeis para o lado, ajeita seus óculos e – Pode entrar.

- Boa tarde Dr. Durval, com a sua licença?
- Com toda a minha licença, entre e sente-se por favor.

Um homem grande, com a barba bem feita, cabelos grisalhos e um olhar ditador entra na sala, fecha a porta, se senta na cadeira a frente da mesa portadora de papeis, estava fardado e mantinha uma postura rígida parecia suportar o dobro do calor que fazia naquela tarde.

- Iria lhe oferecer sombra e água fresca. A sombra nos temos e não adianta de nada e a água já não está aguentando fresca nesta sala – Dr. Durval se levanta, pega uma jarra no criado mudo ao lado, coloca água em um copo e entrega ao homem. – Porém, pegue por favor.

- Obrigado Doutor.

- Bom, não há de que. – Senta-se novamente – A que devo o prazer de receber o Delegado geral do Estado aqui no Hospital Colônia Santana em uma tarde de calor infernal dessas? – Sorri.

- Foram 25 quilômetros de muito chão, mas a gente aguenta, o prazer é todo meu Doutor e antes de mais nada já quero me desculpar por não ter avisado ou comunicado sobre a visita antes, estou vendo que está cheio de trabalho por aqui. – Olha a mesa e os papeis sobre ela.

- Oh sim, é meu terceiro ano aqui e devo dizer que já estou acostumado com isso, a entrada de pacientes no mês de janeiro é sempre muito grande, tenho feito algumas pesquisas a respeito do por que deste número grande de entradas no começo do ano. Mesmo tendo diversas variáveis positivas para justificar como, as férias o fim das festas de fim de ano com família, momento que emoções e decisões são tomadas, envolve muito sentimento sabe? – Olha para a janela – Concluindo, acho que devo levar em conta a variável calor, o verão e o sol mexe com a cabeça das pessoas. – Se aproxima do delegado com o olhar por cima da mesa, ergue o dedo sobre a orelha e gira. – Deixa o pessoal mais biruta.

Ao notar o semblante serio do delegado finaliza – É claro que estou brincando, gosto de quebrar o gelo, odeio formalidades e devido a isso, vamos lá sem desculpas, diga o que o senhor procura.

Ajeitando-se na cadeira o Delegado puxa uma maleta que havia deixado nos pés da cadeira, a posiciona em seu colo, abre e retira um envelope de dentro dela.

- Dr. Durval, venho lhe pedir um favor, olhando para a sua situação atual diria que pouca diferença irá fazer para a quantidade de trabalho que você tem aqui. – Entrega o envelope para o Diretor do hospital. – Te trouxe um novo paciente.

               Se Doutor Durval estava suado envolto com todos os seus papeis e gravata, ele empaleceu e o suor que saia quente gelou, finalmente trazendo o refresco que ele tanto queria. Com as mãos tremulas o experiente médico pegou o envelope, que tipo de paciente o delegado geral do estado de santa Catarina iria trazer para o jovem Hospital Colônia Santana. Um filho bastardo, uma amante histérica, um rival político? Tudo era possível nas terras ermas que ele morava.

              - Desculpe delegado, mas do que se trata? Precisa-se de um laudo médico para fazer internações, qualquer coisa que não seja isso aqui dentro deste envelope não será o suficiente para deixar alguém aqui.

              - Apenas abra por favor...

             O Doutor tinha com ele um mal pressentimento, mesmo assim abriu o envelope, com as mãos suadas retirou uma folha, era uma espécie de ficha, referente a uma pessoa, um homem adulto, por volta de 28 anos, tinha uma barba espessa negra, os olhos rodeados de um roxo e um semblante sério, ao ler, não acreditou, a ficha se tratava de um homem que ele já conhecia, não pessoalmente, o que era pior, conhecia pelas recentes notícias vindas dos jornais da capital.

- Eu não estou entendendo Senhor Delegado, este é
- Tião da Barra, O Homem de preto, Facão do Pantanal, ou como recentemente descoberto Sebastião da Silva de Jesus. Vejo que você o conhece doutor Durval, o que não é nenhum fato surpreendente, a morte de duas famílias inteiras em apenas uma noite na barra da lagoa e o assalto à casa do prefeito não é algo que passaria despercebido, até mesmo aqui, neste fim de mundo.

- Sim, sim, elementar delegado, mas mesmo assim, ainda não entendo o motivo de sua visita, queres um favor meu, pois peça o.

- Quero que deixe Tião aqui, em um quarto do hospital, por um fim de semana, na sexta feira o traremos aqui, ele fica até segunda de manhã, quando eu voltar aqui com a escolta para leva-lo até Blumenau. Fechado?

- Senhor delegado, com todo o respeito, ele não é nenhum paciente, e se não é do fruto de sua maldade todos estes feitos horrendos, deve ser algo patológico e para isso deveria passar pela mão de alguns colegas meus, para serem realizados exames, testes afim de formatar um laudo para a sua internação, alias ele é um criminoso perigoso, não temos guarda nem como manter ele aqui, vamos correr muitos ris...

- Oraaa Doutor Durval, vamos ser sinceros um para o outro, metade dos pacientes daqui não tem mal nenhum, são malucos ou rejeitados por suas famílias, são estorvo para o povo, pessoas que não valem mais nada, eu quero que este criminoso fique aqui por dois dias e ele ficara, sem guarda, dessa maneira não vamos chamar a atenção de nenhum criminoso envolvido nos supostos esquemas de fuga do Tião – Se aproxima do doutor. – Ou quer todos os escândalos de abuso, subordinação, trabalho escravo e torturas que rondam seus hospitalzinho de merda vazando igual as fezes de um neném vazam na fralda por todo o estado?

            Durval estava encharcado, se aconchega na cadeira, queria ser engolido por ela, queria que o calor fosse para o raio que o parta junto com o delegado e aquele assassino maluco. O motivo não era apenas Tião da Barra, mas as suspeitas que vários criminosos estavam tramando o seu resgate antes da partida para Blumenau. Durval deixa a gravata mais frouxa e diz. Está bem, ele fica esse fim de semana, e nada vaza, seu delegado.

- Perfeito. – O delegado se ergue da cadeira. – Eu agradeço o favor, e não se preocupe com os criminosos, eles não vão achar Tião aqui na Colônia Santana até segunda feira. – Aperta a mão de Durval, se dirige até a porta, abre ela e antes de voltar para a capital se despede. – Isso é claro, se nada vazar, até Doutor.

            A porta se fecha, Durval joga a ficha de Tião na mesa, cogitou em rezar para deus, algo que já abandonou a muito tempo desde o começo de sua faculdade em Lisboa, sabia que talvez nem Deus acharia aquele Hospital, torcia para nem ele conseguisse mesmo!

            Atordoado o Doutor se levanta, segue até uma prateleira de seu escritório e a abre para uma coleção repleta de uísques, haviam diversas abertas devido a alguns goles que ele dava, porém foi direto na única garrafa lacrada, uma de Bourbon, abriu apressadamente e tomou no gargalo.

- Vamos rezar.

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