Quando o Estranho bate à porta, o lampião se apaga - parte final

outubro 24, 2018

      

   Seu Joaquim estava na mesa da sala concentrado separando os sacos de farinha, ao ouvir o pedido de licença vindo da porta da sala, rapidamente disse, pode entrar. Não imaginava que ao se virar não encontraria seu compadre parado na porta, e sim um moço completamente estranho.

     A pequena Adelaide saiu correndo da sala, era uma jovem tímida, deve ter se assustado com a presença do visitante, seu Joaquim se levantou e atendeu ao pedido de água do sujeito, pode se sentar moço, Juca, pegue um copo de água para ele. O filho mais velho foi até a cozinha e voltou com uma jarra de água e um copo.

    A muito tempo seu Joaquim já havia aprendido com sua falecida mãe que ao deixar um visitante entrar, você deve no minimo atende-lo com toda atenção e cordialidade que for possível, parafraseando as palavras da falecida velha "Nunca se sabe mô filho, quando que nosso sagrado senhor Jesus de Nazaré pode vir nos visitar e testar a nossa caridade e fê." 

- Obrigado pela água senhor, esta um calor danado.
- Bebe a vontade meu filho, eu estava esperando meu compadre vir pegar essas sacas de farinha, imaginei que fosse ele.

- Passou por mim no caminho uma procissão grande, talvez ele esteja com eles, disse o moço sorrindo com o canto da boca para Seu Joaquim.
- Acho que sim, ele é violeiro da procissão, vai vir quando acabar. Mas me diz teu nome o que tas fazendo aqui pra dentro do meu sitio? Ta perdido rapaz? 

O Moço se ergue da cadeira, esticou um pouco sua coluna e sorrindo respondeu.
- Pois então, pois então, eu vim de São Pedro, caminhando a pé desde lá, preciso chegar no Centro da Palhoça senhor, me perdi por essas estradas, do Pagará né?
- Isso mesmo, tas no Pagará, bem longe da Palhoça, vais ter que voltar pela estrada que tu veio até o campo de Futebol ali da frente, lá no bar do lado dele tu se orienta no balcão e pega a estrada pra Cova Funda, de lá em um instantinho tas na Palhoça.

    Seu Joaquim nesse momento tinha se virado e começava a colocar os sacos de farinha dentro de uma caixa, como o rapaz não o respondeu ele estranhou e se virou, viu que o mesmo estava olhando de uma lado pro outro parado na frente da porta, estava observando seu engenho.

- Que bonito engenho senhor! Meu falecido avô tinha um na Palhoça, você pode me mostrar?

    Seu Joaquim, não gostou muito, mas simpático do jeito que o velho era, pós o chapéu preto na cabeça, vestiu um sorriso paciente e falso e saiu porta a fora com o estranho.
- Vamos lá que eu não tenho o dia todo.

    E nisso a tarde se passou, Seu Joaquim mostrou o engenho para o estranho, que com os olhos firmes em tudo que o velho dizia se sentiu encantado por como as coisas funcionavam lá, parecia uma criança. Enquanto isso dentro da casa de Seu Joaquim, Adelaide, Juca e a Mãe deles murmuravam preocupados, pelo tempo que  os dois passavam dentro, ao cair da tarde retornaram para a sala, Seu Joaquim foi para a cozinha, e Maria sua esposa logo puxou sua orelha.

- Ele não vai embora não Joaquim? Ou vais colocar um prato pra ele jantar também? Preciso dobrar o feijão?
- Se acalma mulher, rapaz estranho, parece meio avoado, meio doido, não sei.... Mas vou mandar ele embora agora já, tratei ele bem, dei água, matei a vontade dele ver o engenho, até dei um pão de milho que havia deixado lá para ele comer, a mãe sempre dizia " Nunca se sabe mô filho, quando que nosso sagrado senhor Jesus de Nazaré pode vir nos visitar e testar a nossa caridade e fê", minha parte eu fiz Maria.
- O Falecido pai dizia também que "Nunca se sabe quando o cramunhão vem bater na nossa porta, por isso nunca diga pode entrar pra quem tu não sabe quem é", de Jesus esse não tem é nada.
- Vamô ver..

    Seu Joaquim deu as costas para a mulher, pegou a espingarda que ficava pendurada na parede da cozinha, pós a cinta com as balas e foi para a sala carregando a bendita e colocando as balas dentro dela lentamente. Quando chegou na sala a primeira reação do moço estranho foi perguntar se a espingarda estava a venda.

- Essa não, essa daqui é herança de casa.
- É bem cuidada, chega a brilhar, deve valer alguma coisa...
- Não to precisando de dinheiro agora não, o senhor pelo contrário, precisa chegar na Palhoça e precisa ir embora..
- Preciso mesmo senhora, mas já escuro, se você conseguir me emprestar o teu lampião e me mostrar o caminho, eu agradeço.
- Eu te levo até o morro que vai pra cova funda - Seu Joaquim colocou a espingarda na tira e posicionou nas costas, ascendeu o lampião que estava pendurado na sala e gritou com Juca. Fecha a casa filho e coloca os cachorro pra dentro, Maria, deixa meu prato de pirão em cima do fogão a lenha que eu como quando chegar.

    Juca ficou na porta da sala, segurando os dois cachorros de caça do pai pela coleira, observou o velho Joaquim e o visitante misterioso adentrarem a escuridão do pasto, cortando a noite com a luz do lampião, em passadas rápidas a dupla passou da porteira do sitio e sumiu, Juca voltou para dentro de casa, deixou os cachorros amarrados na sala e fechou a porta, na cozinha Maria já servia a comida para as crianças e no banheiro Adelaide apertava com força a fitinha vermelha do divino espirito santo que ganhou do rapaz na procissão...

     A noite foi passando, o pirão acabando e depois de uma hora foi possível ouvi Seu Joaquim chegando ofegante e correndo, batendo na porta do lado de fora. A essa hora da noite, apenas Maria, Juca e Adelaide estava acordados, Maria deixou o bebe no colo de Adelaide e correu para abrir a porta para Joaquim.

- Que foi hômi do cêu!? 
- Levei o maluco até o morro da cova funda mulher, segurei o lampião no pé do morro e ele foi subindo, do nada quando ele chega lá em cima no morro ele para e começa a gritar, mas um grito de animal, fiquei assustado! Ele começou a descer correndo quebrando as touceira de mato e cepo de madeira que ficam do lado da estrada, eu tropecei na hora e deixei o lampião cair, só juntei a espingarda e voltei correndo.
         
      Seu Joaquim e Maria olharam para os dois filhos, não cariam mais assustar as crianças e iriam deixar para conversar sobre o visitante estranho a sós. Por isso foram guiando os filhos para o quarto das crianças, orientando os pequenos a esquecer o ocorrido e dormir bem a noite, porém, quando estavam já fechando a porta do quarto deles um baque foi ouvido do lado de fora de casa, seguido por barulho de passos ao redor da casa e muita agitação, após isso um silêncio completo, Juca se levantou da cama, é ele de volta pai!
      
    Seu Joaquim pegou a espingarda e correu pra sala, os cachorros estavam agitados latindo, o silencio do lado de fora foi interrompido por um barulho gigantesco do lado de fora da casa, Maria correu para a Janela da cozinha e gritou - Esta no Engenho! 

- Se é aquele desgraçado agora eu já perdi a paciência! Engatilhou a espingarda e se escorou na porta, mais um momento de completo silêncio do lado de fora da casa que foi rompido em segundo pelo grito ensurdecedor de Adelaide dentro do quarto, a pequena logo saiu correndo para a sala com a irmã bebezinha no colo.
- Paiii! Alguma coisa passou rugindo e arranhando a parede do lado e fora!
- Desgraçado...
- Pai isso ai ta parecendo um lobisomem pai, esse cara é muito estranho - Disse Juca corajoso pegando os cachorro pela coleira, nesse momentos os animais pulavam e latiam como se estivessem pedindo para serem soltos.
- Vou abrir a porta e tu solta eles Juca! Seu Joaquim tirou a corrente da porta, levantou a madeira que trancava ela, respirou fundo e começou a orar baixinho - " Creio em Deus-Pai, todo poderoso, criador do céu e da terra e em Jesus Cristo.. Com um chute ele abriu a porta, os cachorros saíram na frente, correndo em direção do lado de trás da casa, Seu Joaquim percebeu que eles encontraram algo, passaram correndo pela frente dele novamente seguindo uma especie de vulto que correu para o pasto rapidamente

BANG! BANG!

      Seu Joaquim deu dois disparos no meu da escuridão, o segundo foi seguido por um gemido forte e altos, havia acertado o moço estranho, lobisomem, o que que que seja, logo depois o barulho veio do açude, os cachorros guiaram a criatura até lá, Seu Joaquim foi correndo logo atrás, só para diante da iluminação da lua, observar que o vulto havia atravessado o açude e saído pelo outro lado, fugindo pelo mato a dentro.

No dia seguinte...

       Após uma noite inquietante a família de Adelaide acordou e foram logo para o lado de fora da casa, acharam os arranhões do lado de trás da casa na parede do quarto das crianças, realmente eram arranhões ou provocados por um facão ou por algum animal muito grande, no engenho o estrago havia sido muito maior, o carro de boi estava tombado, virado de cabeça para baixo e totalmente quebrado, além disso algumas sacas de farinha estavam cortadas, Seu Joaquim e Juca localizaram no pasto as marcas da pegada do bicho e a mancha de sangue que ele havia deixado depois do trilho.

      Durante a tarde, a família foi surpreendida pela visita de 3 moços a cavalo, um deles de cabelos grisalhos e olhar ditatorial, abriu um sorriso, desceu do cavalo e se apresentou, dizia ser o Delegado Geral do Estado e estava a procura de Tião de Barra, um foragido recente do hospital Colonia Santana, que havia atacado um homem no meio da estrada para o sitio da família de Adelaide e se encontrava sumido.
      
      Seu Joaquim respirou fundo, olhou para a esposa que segurou firme a sua filha bebe no colo e suspirou triste.

-  Seu delegado, a história é longa, convido os senhores a entrar e tomar um café.

     Os cavaleiros se olharam estranhando a situação e de certa maneira ansiosos pelas informações daquela família, amararam os cavalos, bateram as botas no tapete do lado de fora da casa e entraram. 

      A fumaça do fogão a lenha subia pela chaminé, tomava o ar frio do Pagará naquela tarde chuvosa e trafegava pasto a fora, passando por cima do açude e adentrando o matagal por onde a suposta fera havia feito um buraco, se misturava com densa nevoa que surge nos dias gelados em matas fechadas para em seguida sumir cobrindo a mata por inteira, cobrindo também todos os mistérios, criaturas, tesouros e fantasias inimagináveis que uma terra ainda imaculada consegue guardar.

Fim.
  




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